Olá companheiris,
Escrevemos este texto para adereçar toda a situação gerada pelo evento sobre apropriação cultural.
Primeiro queremos pedir desculpa às pessoas racializadas pelo sofrimento causado pela maneira como gestionámos esta situação e pela falta de um posicionamento atempado que pudesse ser reparador.
Na Disgraça o tema do racismo nunca se trabalhou de maneira persistente, participada e objectiva.
Este é um dos problemas estruturais do nosso espaço que ainda tem muito trabalho pela frente a fazer no que se refere a várias formas e sistemas de opressão.
Enquanto anarquistas e anti-autoritáries acolhemos e participamos em eventos e acções em solidariedade com colectivos e pessoas racializadas mas reconhecemos que isto não basta para alimentar a luta anti-racista, é preciso efectivamente construirmos políticas comuns anti-racistas, a começar por dentro.
Os acontecimentos nefastos em torno da conversa sobre apropriação cultural vieram mostrar isto mesmo, que só um trabalho prévio contínuo e organizado poderia ter proporcionado uma resposta célere adequada à urgência da situação e a salvaguarda da integridade e bem-estar das pessoas racializadas relacionadas à Disgraça.
Veiculámos a informação de uma zine e de um cartaz sobre apropriação cultural como meio de dar os primeiros passos na discussão necessária sobre racismo sem nos termos apercebido das falhas e perigos deste enquadramento.
Invisibilizámos as pessoas racializadas ao reduzirmos a questão à apropriação cultural centrada nas pessoas brancas;
Não tivemos em consideração que o tom provocatório do cartaz pode ser lesivo e desrespeitoso e, uma vez mais, invisibilizou as vivências das pessoas racializadas numa sociedade racista;
Não fornecemos contexto suficiente sobre a zine nem diversidade de materiais e fontes que pudessem ter evitado o escalar do debate e os abusos de interpretação, como foi obviamente a falsa ideia de banir pessoas brancas com dread locks;
Não fomos capazes de antever as manifestações de ódio/assédio online que colocaram as pessoas racializadas em angústia, desconforto e desgaste;
Falhámos no conter da situação de maneira preventiva e pedagógica, resvalando em atitudes censórias ao invés de moderadoras e confrontacionais, o que resultou em mais desconforto e trabalho para as pessoas racializadas;
Invisibilizámos, por falta de estrutura e protocolos sobre como gerir estas situações, outros eventos importantes que decorreram neste período, como o debate sobre o genocídios das populações indígenas no Brasil.
Queremos reparar esta situação e construir uma Disgraça em que todes se possam sentir acolhides e mais segures. O nosso percurso vai inevitavelmente ser feito de erros mas estamos a aprender com eles, não queremos prejudicar a luta anti-racista, queremos nutri-la e gerar confiança e apoio mútuo.
Entendemos que as pessoas racializadas não têm de nos educar sobre racismo e que exigir ou esperar isso delas é participar da lógica opressora que já as atinge; mas como esta situação nos mostrou, existem limites para o que aquelis que não são racializadis podem fazer recorrendo a intermediários e sem as partilhas informadas e posicionadas das pessoas racializadas.
Também não podemos reger este processo de reflexão e aprendizagem conjunta por prazos ou decisões definitivas uma vez que depende do diálogo e construção política da comunidade, da participação e compromisso de todas as pessoas que frequentam a Disgraça e não apenas de um colectivo ou grupo restricto.
É notória a popularidade da Disgraça enquanto centro de contra-cultura, com concertos e refeições, mas infelizmente isso não se traduziu numa grande participação das pessoas na vida colectiva deste lugar. Auto gestionamo-nos, sem fins lucrativos, e são as várias actividades aqui desenvolvidas que sustentam a própria continuidade deste espaço, mas actualmente estamos a funcionar em dependência de um grupo cada vez mais pequeno de pessoas que dificilmente consegue assegurar a sobrevivência básica logística, quanto mais o estruturamento e posicionamento políticos.
Sem pessoas e assembleias não podemos debater, não podemos tomar decisões informadas nem aprofundadas e não conseguimos materializar políticas básicas de comunidade.
Apesar disto, é necessário informar todes aquelis que convivem na Disgraça que nunca foi objectivo constituirmo-nos como apenas mais um espaço comercial de consumo e descarte, de alienação e apolitização, incapaz de se auto-criticar, responsabilizar e evoluir. Rejeitamos a ideia de que o debate político é incómodo, desnecessário ou opcional, pelo contrário, acreditamos que a essência de um espaço anarquista é precisamente o de fazer política e, portanto, não apoiamos o trolling apolitizado.
Precisamos assim de mais pessoas a envolver-se, organizar, moderar, tomar responsabilidades e pensar soluções para podermos construir um espaço mais seguro para as pessoas racializadas, marginalizadas, oprimidas e excluidas pelo Sistema.
Apelamos a que todas as pessoas engajadas com o universo Disgraça e investidas emocionalmente participem nas assembleias e se representem a si mesmas sempre que puderem. Participar nas assembleias envolve-nos e responsabiliza-nos enquanto parte da Disgraça e dá visibilidade a todo o trabalho, energia e carinho que aqui se constroem.
Todes são bem-vindes a tomar iniciativa e organizar discussões, workshops, eventos, encontros ou outras propostas, que podem ser dedicadas a grupos específicos: pessoas racializadas, mulheres, trabalhadores, punx, pessoas trans, migrantes, homens, tocadores da samba, etc.,
Só assim construindo, presencialmente, expondo-nos a partilhas, experiências e emoções diversas podemos gerar crítica construtiva e mudar.
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Hello comr@des,
We wrote this text to address the whole situation generated by the event on cultural appropriation.
First we want to apologize to racialzed folx for the suffering caused by the way we managed this situation and for the lack of a timely positioning that could be repairing.
At Disgraça, the issue of racism was never dealt with in a persistent, participatory and objective manner.
This is one of the structural problems of our space that still has a lot of work to do with regard to issues of white privilege, above all, but also patriarchy, transphobia, and ableism.
As anarchists and anti-authoritarians, we welcome and participate in events and actions in solidarity with racialized collectives and people, but we recognize that this is not enough to feed the anti-racist struggle, and we need to effectively build common anti-racist policies, starting from within.
The ominous events surrounding the conversation about cultural appropriation showed us just that: only continuous and organized prior work could have provided an adequate rapid response to the situation while safeguarding the integrity and well-being of racialized folx related to Disgraça.
We published information from a zine and a poster on cultural appropriation as a means of taking the first steps in the necessary discussion about racism without realizing the flaws and dangers of this framework.
We inadvertently invisiblised BIPOC by reducing the issue of cultural appropriation to center white people;
We did not take into account that the poster’s provocative tone could be harmful and disrespectful and, once again, made the experiences of racialized people in a racist society invisible;
We didn’t provide enough context about the zine or diversity of material and sources that could have avoided the escalation of the debate and the misinterpretation; we were not announcing to ban white people with dread locks from entering Disgraca;
We did not anticipate the online hate/harassment manifestations that put BIPOC in danger, discomfort and distress;
We failed to contain the situation in a preventive and pedagogical manner, slipping into censorious rather than moderating and confrontational attitudes, which resulted in more discomfort and work for racialised folx;
Due to disorganization and lack of protocols on how to manage these situations, we made invisible other important events that took place in this period, such as the debate on the genocide of indigenous populations in Brazil.
We want to repair this situation and build a Disgraça in which everyone can feel welcomed and more secure. Our path will inevitably be made of mistakes but we are learning from them, we do not want to harm the anti-racist struggle, we want to nurture it and generate trust and mutual support .
We understand that people of color do not have to educate us about racism and that to demand or expect this from them is to participate in the oppressive logic that already affects them; but as this situation has shown us, there are limits to what we can do using intermediaries and without the informed and positioned sharing of racialzed people.
Nor can we govern this process of reflection and joint learning by deadlines or definitive decisions since it depends on the dialogue and political construction of the community, on the participation and commitment of all people who attend Disgraça and not just a collective or restricted group.
Disgraça’s popularity as a counter-culture center is notorious, with concerts and meals, but unfortunately this did not translate into a great participation of people in the collective life of this place. We are self-managed, non-profit, and it is the various activities developed here that sustain the very continuity of this space, but currently, we are operating in dependence on an increasingly small group of people who can hardly ensure the basic logistical survival, let alone the political structuring and positioning.
Without people and assemblies we cannot debate, we cannot make informed or in-depth decisions and we cannot materialize basic community policies.
It is also necessary that we inform all those who frequent Disgraça that it was never intended to be just another commercial space of consumption and disposal, of alienation and apoliticization, incapable of self-criticism, responsibility and evolution. We reject the idea that political debate is cumbersome, unnecessary or optional, on the contrary, we believe that the essence of an anarchist space is precisely to do politics and, therefore, we do not support apoliticized trolling.
So we need more people to get involved, organize, moderate, take responsibility and think about solutions so we can build a safer space for people of color, marginalized, oppressed and disinvested by this System.
We appeal to all people engaged with the Disgraça universe and emotionally invested to participate in assemblies and represent themselves whenever they can. Participating in the assemblies involves and makes us responsible as part of Disgraça and gives visibility to all the work, energy and affection that are built here.
All are welcome to take the initiative and organize discussions, workshops, events, meetings or other proposals, which can be dedicated to specific groups: BIPOC, women, trans people, cis men etc.,
Only in this way, building, in person, exposing ourselves to different shares, experiences and emotions can we generate constructive criticism and change.